segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

ANÁGUAS, SAIAS DO MEIO E LENÇÓIS DE NÚPCIAS - Túlio Monteiro

Não sou fã de televisões. Isso é fato! Para mim, hoje, elas burrificam mais do que ensinam. Entretanto, por costume ou mesmo por curiosidade quase sempre que passo em frente a um desses palimpsestos do século 21 torna-se quase impossível não dar uma olhada, mesmo que rápida, para ver o que está a ser divulgado naquele momento.

Por conta disso, deparei-me com o fato de que a “Virgem Platinada” anda investindo pesado em novelas de época, arriscando-se até chegar à era Medieval com seus castelos, capas e espadas. Notei também que belos artistas passeiam para lá e para cá em seus impecáveis trajes exibindo belos corpos. Ah! Porém as mulheres são de tirar o fôlego com seus vestidos longos cobrindo-lhes até os pés, mas com decotes para fazer qualquer um querer viver em semelhante época de castidades, onde uma virgindade era defendida a ferro e fogo.

Foi em uma dessas clarezas súbitas da mente que lembrei de como funcionava o sistema para que uma virgindade fosse retirada nos tempos de nossos avós. Digamos, uns cento e poucos anos atrás. O que vou lhes narrar a partir de agora só acontecia nas famílias mais abastadas, onde muitas vezes os casamentos eram arranjados pelos pais dos noivos para unirem fortunas, garantindo assim um respeitoso aumento de patrimônio.

Pois bem, os nubentes se conheciam e passavam um tempo a namorar sob o olhar vigilante ora dos pais, ora de irmãos ou até mesmo de avós. Podiam, no máximo, trocar olhares, um tocar de mãos, sorrisos, tudo isso com hora marcada para o rapaz pôr o pé na estrada de volta para casa em tardes-noites dos finais de semana.

O tempo passava lento enquanto os preparativos para o casamento iam sendo executados amiúde. Da noiva era exigido tudo. Desde um significativo dote financeiro até a castidade mais absoluta. Isso mesmo, era necessária uma virgindade absoluta das moças casadoiras de então. Sem ela – a famigerada virgindade – nada feito. A bela caía na boca do povo e pronto: estava com a vida arruinada.

Era a época da Revolução Industrial, nascendo nesse tempo a sociedade de consumo. Por conta disso a burguesia estava com grande prestígio, afinal era uma época de prosperidade que influenciou a moda e para se destacarem como aristocratas de então, todos vestiam-se como mandava a regra..

As mulheres, para evidenciar seu caráter, vestiam-se da cabeça aos pés de modo amplamente recatado, usando acessórios torturantes. Os ombros dos vestidos ficaram estreitos, a cintura teve que baixar. Os espartilhos ficaram pontudos e as mangas chegavam até os pulsos. As saias eram redondas e o excesso de anáguas propiciou a criação de um novo tipo de armação para elas: a crinolina, que nada mais era que uma saia de aros de aço, uma tradução bem literal de hoop skirt. O termo se refere a uma série de aros flexíveis de um tipo específico de aço, que eram moldados no formato de uma armação de saia que imitava a silhueta da época. Essa belezinha, que tornou as várias camadas de anáguas dispensáveis e deu uma aliviada no peso das roupas, apareceu pela primeira vez em 1856. A patente é francesa, atribuída a Milliet de Besançon, e, ao contrário do primeiro mito em torno da crinolina, não há evidências que comprovem que ela tenha sido criada a pedido da Imperatriz Eugênia da França.

Era bem assim naquele tempo. Mas voltemos ao casamento e à tão esperada noite de núpcias de então. Ao noivo cabia ser digno, cavalheiro e mostrar aos outros a sua virilidade. Como fazer isso? Como comprovar que era virgem sua agora esposa? Como saber que realmente tinha sido o primeiro a desvendar os segredos dela? Foi simples a solução: não se sabe bem onde surgiu a tradição do “furo no lençol nupcial”, mas alguém teve a ideia de fazer um corte em determinada altura do lençol. No ritual, a noiva deitava-se primeiro, despia-se e cobria-se com o tal lençol. Até então, só era permitida entre quatro paredes a velha conhecida posição “papai-mamãe”, o que só propiciava ao noivo a penetração frontal e tradicional.

Pela manhã, era costume o noivo mostrar aos parentes mais próximos, o lençol manchado de sangue virginal como forma de comprovar a castidade de sua mulher. O que gerava uma festa de urras e palmas na casa onde se hospedava o casal.

Hoje os tempos são outros e as roupas seguem ditando a moda. E ao cabo de século e meio as mulheres avançaram, tomaram seus espaços e alinharam-se aos homens, podendo vestir o que bem entenderem. Afinal, vivemos uma época em que virgindade é uma coisa “careta” e ultrapassada; uma época em que a anágua, em vez de acessório, pode ser principal vestimenta de recato.

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*Túlio Monteiro - Escritor e crítico literário, publica todas as segundas aqui no Evoé! Leia também Literatura com Túlio Monteiro.

2 comentários:

  1. É, Túlio, "o tempo passou, muita coisa mudou", mas, mesmo assim, em muitas situações, a mulher costuma ser tratada com base em critérios preconceituosos e pouco dignos.

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  2. Como sempre o nosso nobre escritor mergulha na história buscando curiosidades quiças interessantes. Há de se pensar o seguinte...mesmo como toda aquela exibição máscula do noivo, em mostrar o lençol sujo de sangue... não poderia haver fraudes... afinal. a torpeza e crueldade é própria dessa criatura chamada homem/mulher.. fico a me perguntar se nos primórdios.. existia amor...havia realmente romance... ou se tudo era apenas uma acomodação de acertos .. muitas vezes espúrios que só visavam o vil metal..e aja anáguas ...para ilustrar a vergonha ..daquelas moçoilas que entregues por uma paixão... se entregavam aos seus mancebos por puro prazer..

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