quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Divagações em busca de um eu - Chico Araujo*


Costumo falar a quem me pergunta sobre como se deve iniciar um texto, com que palavra ou expressão – principalmente a alunos –, que, honestamente, não sei.
Ante o espanto do inquiridor, explico que quem verdadeiramente sabe como dizer o que quer dizer é aquele que efetivamente está querendo dizer, ou seja, o autor do texto (ele, portanto), uma vez que a motivação para a escrita vem do interior de cada um. Aquele que quer dizer algo – oralmente, ou pela escrita, ou por qualquer outro meio de expressão – deve ter plena consciência do que quer expressar, porque deve expressar e a quem vai expressar.
Nesse exato momento, associo esse meu raciocínio, essa minha maneira de pensar – não originalmente minha, pois advinda de estudos em áreas do conhecimento referentes às linguagens –, ao que diz Pierrakos (2007, p. 21) acerca de "O anseio realista": "O anseio é realista quando você parte da premissa de que a pista para a realização deve estar em você; quando você deseja descobrir as atitudes que o impedem de viver a vida de uma maneira plena e significativa; quando interpreta o anseio como uma mensagem oriunda do âmago do seu ser interior, mensagem essa que o dirige por um caminho que o ajudará a encontrar o seu verdadeiro eu.".
Essa visão tem forte repercussão em matérias pertinentes à Psicologia. Para a autora, o que torna possível alguém viver de maneira plena e em paz consigo mesmo é esse alguém encontrar nele mesmo as condições adequadas para esse viver. Encontrar interna e profundamente o que permita o estado do "viver melhor", o "viver uma vida significativa" é algo inevitavelmente necessário.
É importante perceber que o conhecimento profundo de si mesmo possibilita a aceitação do "eu" em sua essência; essa aceitação poderá ser a própria condução à transformação adequada e necessária de um "eu" debilitado, frágil, que não se aceita, para um "eu" que se encontra ao deparar-se com seus limites e entendê-los como fundamentais à sua transformação em busca do alcance de sua felicidade, que somente será alcançada se viabilizada a experiência do estado de paz.
Por partes, então. A primeira: “... a pista para a realização deve estar em você”. Em outras palavras, qualquer ação, qualquer passo que desejemos dar para o alcance de algo melhor em nós terá como ponto de partida... nós mesmos! Muitas respostas, então, a respeito de questões profundas as quais nos acompanham encontram-se dentro de nós, em estado adormecido, no plano inconsciente.
Como despertá-las? Num “escavar” denso, quase nunca sozinho. Contudo, sozinho ou acompanhado, quando nos deparamos com a chama que arde em nós a ponto de nos dar a força para viver, para existir, apertamos a mão da “pista” existente e nos transformamos, pois tocamos nossa realização e a realizamos. Não é simples nem simplório o aqui dito; creio ser uma interpretação bastante viável, aguardando os acréscimos que venham.
Alcançar / Tocar essa “pista” nos leva à segunda parte do que aqui trato e certamente nos põe diante da possibilidade de superar, vencer, suplantar aquilo que nos segura nas negações, tal qual grilhões inviabilizam os movimentos de quem esteja agrilhoado. Eis um acontecimento restaurador e edificante, “... quando você deseja descobrir as atitudes que o impedem de viver a vida de uma maneira plena e significativa”, como sugere Pierrakos (2007, p. 21). “Tocar” a “pista” significa, nesse caso, deparar-se com caminhos outros – decerto nunca dimensionados antes – com liberdade tanta a ponto de trânsitos sem empecilhos. Liberdade para ser inequivocamente um “eu” valoroso e íntegro.
Nesse diapasão, concebido e emancipado esse “eu” bravo e íntegro, encontra-se o ser consigo mesmo, pois interpretou “... o anseio como uma mensagem oriunda do âmago do seu ser interior, mensagem essa que o dirige por um caminho que o ajudará a encontrar o seu verdadeiro eu.".
Entendo que as linguagens e suas várias possibilidades de validação de expressão contribuem fortemente para esse achado e encontro, uma vez que “o homem é um ser de linguagem”, conforme nos sinaliza a Filosofia. Estou convicto de que quanto mais palavras eu ponho aqui nesse texto, mais me expresso, mais me descubro, mais me revelo, mais me encontro, mais me integro.
E talvez não haja mais divagações... por agora.
NOTA DE FIM DE TEXTO
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1. PIERRAKOS, Eva. O caminho da autotransformação. Tradução de Euclides L. Calloni e Cleusa M. Wosgrau. São Paulo: Cultrix, 2007. 

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* Chico Araujo publica toda quarta-feira aqui no Evoé! O título "Divagações" foi escrito entre 1 e 10 de janeiro de 2018.

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