quarta-feira, 6 de setembro de 2017

CHICO ARAUJO - Quase o meio...

Não, não era nada simples o que acontecia, principalmente, talvez, por existir aquela extensa nuvem nebulosa se ampliando em sua consciência – uma sensação imperiosa de tempestade por vir dali a qualquer instante.


- Virarei arquivo de metal?

- Desculpe, não ouvi o que disse.

- Pensei alto.

Não sentia nem um pouco de fome, mas desejou profundamente fosse já o horário do almoço para sair dali. No entanto, a manhã tartarugava, acontecendo em compasso distinto dos fatos avalanchando. Pelo menos um lanche? Mas não tinha esse costume de comer nada pelo meio da manhã; fosse hora do almoço, poderia sair daquela sala, daquele ambiente que não compreendia e que, sentia, o sufocava. Queria, sim, pensar um pouco mais, tentar entender os últimos acontecimentos, contudo, para isso, deveria ficar sozinho, sabia.

Mesmo sem muita concentração, compreendeu as informações repassadas – não havia nada de complicado nelas, então acreditou que poderia desempenhar com tranquilidade o trabalho exigido pela nova função. Ficou, enfim, sozinho, e logo descobriu na tela do computador a palavra “músicas”. De repente, com simples dois toques, a sala foi invadida pelo som agradável de instrumentais. Aquele som ambiente e o fato de agora estar só permitiriam, sim, que refletisse sobre os fatos.

A cadeira confortável recebeu bem seu corpo. Relaxou-o nela, a cabeça em alvoroço. A cadeira, em verdade, como que o abraçou, ou, antes, foi ele que se deixou abraçar por ela sem perceber. Mas foi por pouco tempo seu quase relaxamento. Depois que o rapaz saiu da sala mais ainda se deu conta de que, naquela manhã, não estava fazendo nada. Estava ocioso e isso não considerava coisa do bem.

- Um... Quatro...

- ...

- Desculpe incomodar, mas a senhora não sabe aí se não tem alguma coisa pra eu fazer agora. Tô me sentindo inútil, não tô fazendo nada.

- Não se preocupe que na hora certa o senhor vai começar a fazer o que precisa ser feito. E creio que fará muito bem feito.

- Mas...

- Fique tranquilo. Aproveite a musiquinha que está tocando aí e apenas aguarde que já já o senhor terá o que fazer. Será que vai reclamar depois, querendo fazer menos?

- A senhora não poderia ser mais educada? Sempre fui homem de trabalho. A senhora não me conhece.

- Sei muito bem quem o senhor é; na verdade, sei quem são todos que trabalham aqui.

- Então a senhora poderia me dizer...

- Preciso desligar. Tenho o que fazer. Até breve.

Desligou o telefone sem mais nada dizer, deixando seu Arguto menos à vontade ainda. E a lembrança dos companheiros ali do trabalho voltou forte. O que estariam fazendo agora? Quem os estaria orientando? Como estaria tudo lá? Era muito esquisita aquela história de chegar no trabalho em uma função diferente da que fazia antes e ainda não poder falar com os colegas com quem convivera por tantos anos. Uma equipe que ajudara a formar! Era muito esquisito aquilo tudo...

Enquanto ficava pensando nos outros trabalhadores, se lembrando de muitas ocasiões vividas juntos, o tempo correu mais rápido e o estômago acabou por avisá-lo da hora do almoço. Então saiu da sala, refez todo o percurso cumprido na companhia daquela mulher estranha, agora em passos de volta num caminhar sozinho, até reconhecer a trilha do refeitório onde almoçava com quem conhecia e trabalhava.

- Fechado? Como assim, fechado?

Percebeu haver uma espécie de aviso em um papel colado no centro da porta do refeitório. Aproximou-se: FECHADO!!!

- Só isso? E desse jeito? Nenhuma informação que explique por que está fechado? E onde está todo o pessoal que almoçava comigo aqui? Onde estão almoçando agora? Aquela D. Felícia – Que nome! – deve saber.

Propôs-se ir à senhora que já entendia ser um calo em seu pé para perguntar sobre aquela situação, mas não precisou andar muito, pois ela já estava a sua procura e naquele ponto se encontraram:

- O senhor não almoça mais aí. Aliás, ninguém mais almoça aí. Venha que lhe mostro onde fará suas refeições a partir de hoje.

- Me responde somente uma coisa antes de irmos?

- O senhor não acha que pergunta demais?

- De onde venho, as pessoas sempre falam, são educadas, se comunicam, se tratam bem com afeição. Tratam-se quase em linguagem poética.

- Aqui não existe poesia, Sr. Arguto. Aqui se quer trabalho, entende? Trabalho. A empresa precisa produzir e se o senhor está aqui é porque faz parte da engrenagem que a faz funcionar e essa engrenagem precisa funcionar e bem.

- Na engrenagem dessa empresa que eu conhecia tinha uma oficina com muitos empregados e esses empregados almoçavam aqui. Esse refeitório não faz mais parte da engrenagem? Os empregados que almoçavam aqui, comigo, não fazem mais parte da engrenagem?

- O senhor pergunta muito mesmo, mas... é inteligente. Concluiu rapidamente a situação. Não existe mais oficina; os empregados nela não estão mais empregados nela.

- E para onde foi tudo mundo? Todo aquele pessoal foi transferido para que setor, para quais setores?

- Sr. Arguto, honestamente, não sei para onde aquele pessoal todo foi. A única coisa que sei é que nesse momento de terceirização a oficina daqui não existe mais, os empregados nela não estão mais empregados nela, a não ser o senhor, que restou aqui por ter sido promovido por algum motivo sobre o qual não conversei com a diretoria da empresa. Por algum motivo alguém tem novos planos para o senhor. Isso é o que interessa, é nisso que o senhor precisa se concentrar agora.

- Mas, D. Felícia...

- Vá almoçar, Sr. Arguto... Vá almoçar...

Ela parou de falar, deu meia volta, saiu. Não disse mais nada. Não deu mais nenhuma maior explicação. Ele ficou ali, estacado, meio que suspenso no ar, pasmado, pensamentos em confusão, distante de qualquer instrumental sereno, sem qualquer sensação poética. Estava dentro de uma realidade densa, exata, dura, ele falho, sem saber o próximo passo a dar. 

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Chico Araujo publica toda quarta-feira no Evoé! A crônica "Um dia que transcorre..." foi escrita entre 31 de agosto a 6 de setembro de 2017. Leia mais Chico Araujo no blog Vida, minha vida...

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