quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Do egoísmo nosso de cada dia - Chico Araujo

A arrogância nossa de cada dia nos leva muitas vezes a agirmos como se fôssemos sozinhos no mundo, como se ao nosso redor não existissem pessoas que precisam ser vistas, respeitadas,
compreendidas em suas características e limitações. Ao desconsiderarmos esses aspectos como caracteres de fundamento nas outras pessoas, invalidamos também, em nós mesmos, os aspectos a nós peculiares, uma vez que, quanto menos reconhecemos o outro, tanto mais desconhecemos a nós mesmos.

Se "nenhum homem é uma ilha", nenhum "eu" é somente "um 'eu'". Há uma soma de muitos aspectos de outros "eus" naquele que vibra em cada um de nós e isso é algo a não ser desconsiderado, desprestigiado, desvalorizado. Quando alguém assim age, põe em evidência a exacerbação, como equívoco, de sua existência como um ser sem sociedade, isolado – e isso é algo de uma falsidade densa.

No entanto, a ação deliberada de se exacerbar, de se dar a maior importância em total detrimento da importância do outro, expõe não ignorância latente quanto ao fato da relevância do homem como ser social, mas sugere a intenção de apagamento do outro como ser de relevância também. Um descomedido “ego" invalida qualquer "álter".

Uma situação como essa desnuda certa incapacidade de se existir em convivência, junto ao outro, desenvolvendo atividades conjuntas. Havemos de nos perguntar: como viver em uma comunidade aprovisionando em si um espírito egoísta? Haverá respeito ao outro? Ideias de outrem serão consideradas? Necessidades alheias serão vistas?

Pessoas com características como as sugeridas aqui quererão sempre tudo para elas, mesmo que não necessitadas de tudo o que tenham. Não haverá, nelas, preocupações, se outros estiverem carecidos de um pouco do muito que elas tenham, pois para elas não existe o outro, não existe a carência do outro, uma vez que elas fazem questão de não o ver.

Nas profissões, quando algo assim ocorre nas empresas, o mundo corporativo sofre, debilita-se, e muitas vezes paga as penas relativas ao fato. Imagine-se um gestor de empresa que vê em seus colaboradores somente a capacidade, a força para a realização de determinado trabalho, fechando os olhos para o que tenham como traço de humanidade, de individualidade, de espiritualidade. Esses colaboradores adquirem, para o gestor, a condição de máquinas, e como tal precisam funcionar, sempre em benefício do funcionamento da corporação. Abstraídos de quaisquer condições subjetivas, as quais os poderiam compor como humanos, restaria a eles, colaboradores, no contexto apresentado, somente trabalhar, trabalhar, trabalhar... Em outras palavras: produzir, produzir, produzir...

Essa prática implicaria relação de desigualdade na qual os colaboradores se veriam em uma situação de subserviência anulativa de suas características pessoais em relação ao gestor, de tal maneira que possivelmente se resumiriam cumpridores de ordens somente, sem visualizarem para si qualquer condição de direitos.

Ora, nesse desequilíbrio relacional, a corporação perderia, pois possivelmente não se alcançaria a produção desejada, posto que, pessoas insatisfeitas, infelizes, desrespeitadas em seu local de trabalho não costumam render o que poderiam se estivessem tranquilas, satisfeitas, reconhecidas, felizes.

Nas relações interpessoais, quando alguém é posto em situação de desigualdade, de desimportância, é porque outro alguém precisa tornar essa existência ineficiente para que o primeiro esteja sempre em favor de seu subjugador. É algo doloroso para quem é posto abaixo; e vive uma dor não vista pelo subjugante.

Infelizmente, não é acontecimento incomum o fato de pessoas acreditarem ser superiores a outras e mesmo demonstrarem essa crença àquelas julgadas inferiores. Pode acontecer em uma relação de “amizade”, quando, por exemplo, um “amigo” considera o outro em todas as ocasiões nas quais observa algum ganho para si, pecuniário ou não, mesmo que o outro não tenha lucro algum. Há casos entre amigos em que um, dono de dada empresa, contrata, emprega o outro, passando, desde então, a explorar aquela mão de obra. Perde-se, a partir daí, a pura relação de amizade.

A partir de então, observa-se mudança de comportamento referente à relação de ambos. Se antes iam a determinados bares juntos, agora já não se verá a continuidade dessa parceria. Se anteriormente eram sempre muito alegres e brincalhões entre si, após a relação trabalhista ser estabelecida as brincadeiras já não serão constantes nem semelhantes a como ocorriam no plano precedente. O contratante, assim, entende que não pode ter muita proximidade com o contratado, acreditando haver na proximidade profunda prejuízos para as relações com outros empregados, talvez também com clientes e, quem sabe até para a própria empresa. Caberá aqui o adágio “Amigos, amigos, negócios à parte”?

Mas, o que importa? O que interessa?

Para o egoísta, “O trânsito é meu”. Também, “Quem for podre que se quebre”. Se “Motociclista eu sou, que se dane o ciclista”. Como “Dirijo automóvel, que se quebrem o motociclista e o ciclista...”. Como “Sou mais forte, que se quebre o mais fraco”. De uma maneira geral, pensa o egoísta: “Eu importo”. “’Eu’ importa”. Porque “Quero comprar comida, uma tapioquinha, paro o carro no meio da rua, faço o trânsito paralisar. É rápido. No máximo dois minutos”.

Por conta do egoísmo, não se vê o outro, seja ele quem for. Por causa do egoísmo, somente se percebe aquele que se caracteriza por “eu”. 

Além dele, nada, nada há. Nada mesmo.

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Chico Araujo publica todas as quartas-feiras no Evoé! "Do egoísmo nosso de cada dia" foi escrito em 5 de agosto de 2017. Leia mais Chico Araujo em Vida, Minha Vida...

Um comentário:

  1. Poxa! Muito sensível e fácil de perceber que o "eu" somos nós mesmo, nas nossas ações cegas e egoístas.

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